O ECRO DE PICHON RIVIÉRE
Sendo
psiquiatra e psicanalista no hospício de Las Mercedes de Buenos Aires, enrique
Pichon Rivière descobre que pode encontrar o código, o sentido dos delírios e
sintomas psicóticos de seus pacientes, na estrutura familiar. Ou seja, que a
chave das significações específicas desse paciente é possuída pela família,
essa estrutura que transcende a individualidade e que tem efeitos constitutivos
sobre a mesma. Enrique Pichon Rivière descobre um novo campo de indagação,
conceitualização e intervenção que transcende o discurso do paciente. Propõe a
passagem da psicanálise à psicologia social. Enrique Pichon Rivière descobre um
novo continente, porém não no sentido de território a ser conquistado, ou mesmo
de um lugar para se viver, mas como um lugar de produção. Para ele, os
conceitos teóricos são conceitos instrumentais para apreender a realidade e
sobre ela intervir. É um conceito similar ao que será proposto, anos depois,
por Michel Foucault, com sua teoria da caixa de "ferramentas".
Isto o leva a propor que para além do campo específico da psicanálise está a psicologia social como âmbito de indagação dessas tramas vinculares que, transcendendo a subjetividade, criam condições para a sua própria produção.
Isto o leva a propor que para além do campo específico da psicanálise está a psicologia social como âmbito de indagação dessas tramas vinculares que, transcendendo a subjetividade, criam condições para a sua própria produção.
O ECRO de enrique Pichon Rivière
No curso de duas décadas, ao longo de sua obra, visualiza-se a progressiva elaboração de sua posição teórica. Pichon Rivière diz: "defino o ECRO como um conjunto organizado de conceitos gerais, teóricos, referidos a um setor do real, a um determinado universo de discurso, que permite uma aproximação instrumental ao objeto particular (concreto). O método dialético fundamenta este ECRO e sua particular dialética".A respeito da psicologia social sustenta: "A psicologia social que postulamos tem como objeto o estudo do desenvolvimento e transformação de uma realidade dialética entre formação ou estrutura social e a fantasia inconsciente do sujeito, sustentada sobre suas relações de necessidade".
Ou seja, o objeto de sua psicologia social é o de explicar como a estrutura social chega a se tornar fantasia inconsciente. Indaga sobre os processos de constituição da subjetividade a partir da macro-estrutura social.
O ECRO pichoniano está constituído por três grandes campos disciplinares que são as ciências sociais, a psicanálise e a psicologia social. Estas três disciplinas constituem os três sustentáculos principais de seu marco conceitual.
Método dialético
enrique Pichon Rivière adere ao método dialético em sua concepção do vir-a-ser da natureza, da sociedade e do conhecimento como um processo contraditório e de mudanças que implicam irreversibilidade através de saltos qualitativos.
Se tomamos em conta sua concepção de sujeito, Pichon Rivière o concebe não numa relação harmônica com sua realidade social, mas numa permanente relação mutuamente transformadora com o mundo. Seu "implacável interjogo" implica numa inevitável transformação do mundo, fundamentalmente vincular e social, para o sucesso na realização de seus desejos e propósitos, realização que, por sua vez, terá efeitos de transformação do sujeito. Isto comporta pensar a relação sujeito-mundo como uma relação conflitiva e contraditória.
Daí sua valorização da praxis. A praxis é o que permite a seu ECRO permanecer como sistema aberto a progressivas ratificações e retificações. A praxis é o que valida o modelo teórico. Ele sustenta que a praxis é a que permite ajustar o modelo teórico, o esquema conceitual, à realidade. Pichon disse que a praxis " introduz a inteligibilidade dialética nas relações sociais e restabelece a coincidência entre representação e realidade".
enrique Pichon Rivière adere ao método dialético em sua concepção do vir-a-ser da natureza, da sociedade e do conhecimento como um processo contraditório e de mudanças que implicam irreversibilidade através de saltos qualitativos.
Se tomamos em conta sua concepção de sujeito, Pichon Rivière o concebe não numa relação harmônica com sua realidade social, mas numa permanente relação mutuamente transformadora com o mundo. Seu "implacável interjogo" implica numa inevitável transformação do mundo, fundamentalmente vincular e social, para o sucesso na realização de seus desejos e propósitos, realização que, por sua vez, terá efeitos de transformação do sujeito. Isto comporta pensar a relação sujeito-mundo como uma relação conflitiva e contraditória.
Daí sua valorização da praxis. A praxis é o que permite a seu ECRO permanecer como sistema aberto a progressivas ratificações e retificações. A praxis é o que valida o modelo teórico. Ele sustenta que a praxis é a que permite ajustar o modelo teórico, o esquema conceitual, à realidade. Pichon disse que a praxis " introduz a inteligibilidade dialética nas relações sociais e restabelece a coincidência entre representação e realidade".
Concepção do
sujeito
Este ECRO pichoniano concebe o sujeito como partindo de uma ineludível condição de sujeito social, num implacável interjogo entre o homem e o mundo. Pichon Rivière escreve: "O sujeito não é só um sujeito relacionado, é um sujeito produzido. Não há nada nele que não resulte da interação entre indivíduos, grupos e classes". Isso significa que o sujeito nasce com uma carência fundamental que é a ausência de todo um "pacote" instintivo que o fixe e o ligue com certeza ao seu habitat. Isto faz com que o campo simbólico seja o ineludível campo de constituição da subjetividade. Berger e Lukman são dois sociólogos da corrente do interacionismo simbólico que afirmam que o homem ocupa uma posição peculiar dentro do reino animal e dos mamíferos superiores. O homem não possui ambiente específico para sua espécie, a relação do homem com seu ambiente se caracteriza pela sua abertura para o mundo. Os instintos do homem, se comparados com os dos mamíferos superiores, são subdesenvolvidos. Seus impulsos são inespecíficos e carecem de direção.
A subjetividade se constitui, então, no campo do outro. O outro como ser social está ineludivelmente no horizonte de toda experiência humana. Aqui é fundamental o conceito de vínculo, como essa estrutura complexa e multidimensional que abriga sistemas de pensamentos, afetos e modelos de ação, maneira de pensar, sentir e fazer com o outro, que constituem as primeiras sustentações do sujeito e as primeiras estruturas identificatórias que darão início à realidade psíquica da criança. Não só a trama vincular a abriga; é condição de sobrevida deste ser que nasce prematuro, incapaz de sobreviver sem a assistência do outro social: a trama vincular é a própria base iniludível para a confirmação de nossa identidade. Sem a presença do outro se desnuda a fragilidade sobre a qual está constituído o reconhecimento do "si-mesmo" e a identidade do sujeito. Isto o conhecem bem os que implantam, as celas de castigo que costumam devastar seus inimigos mediante a privação de estímulos sensíveis e pela ausência de todo contato humano. Isolados do mundo, tendemos e desmoronar.
O sujeito da psicologia social de enrique Pichon Rivière é esse sujeito descentrado, intersubjetivo, que se produz no encontro ou desencontro com o outro.
Quando enrique Pichon Rivière pensa o sujeito, fá-lo em termos de "sistema aberto" (a rigor, não há nada que seja pensado por ele fora dos termos de um sistema aberto: o indivíduo, os grupos, as instituições, as sociedades, o ECRO). E em relação ao sujeito, trata-se de um sistema que não é autônomo em si mesmo, trata-se de um sistema incompleto que "faz sistema com o mundo".
É um sujeito situado e sitiado, que está contextualizado. Não é uma abstração. É um sujeito histórico. Não se trata de O Homem ou A Sociedade. É um sujeito situado e sitiado no sentido de que sua subjetividade é configurada num espaço e num momento histórico social específicos que lhe outorgam todo um universo de possibilidades mas que significa para ele, por sua vez, um certo estreitamento das possibilidades de representação simbólica.
Este ECRO pichoniano concebe o sujeito como partindo de uma ineludível condição de sujeito social, num implacável interjogo entre o homem e o mundo. Pichon Rivière escreve: "O sujeito não é só um sujeito relacionado, é um sujeito produzido. Não há nada nele que não resulte da interação entre indivíduos, grupos e classes". Isso significa que o sujeito nasce com uma carência fundamental que é a ausência de todo um "pacote" instintivo que o fixe e o ligue com certeza ao seu habitat. Isto faz com que o campo simbólico seja o ineludível campo de constituição da subjetividade. Berger e Lukman são dois sociólogos da corrente do interacionismo simbólico que afirmam que o homem ocupa uma posição peculiar dentro do reino animal e dos mamíferos superiores. O homem não possui ambiente específico para sua espécie, a relação do homem com seu ambiente se caracteriza pela sua abertura para o mundo. Os instintos do homem, se comparados com os dos mamíferos superiores, são subdesenvolvidos. Seus impulsos são inespecíficos e carecem de direção.
A subjetividade se constitui, então, no campo do outro. O outro como ser social está ineludivelmente no horizonte de toda experiência humana. Aqui é fundamental o conceito de vínculo, como essa estrutura complexa e multidimensional que abriga sistemas de pensamentos, afetos e modelos de ação, maneira de pensar, sentir e fazer com o outro, que constituem as primeiras sustentações do sujeito e as primeiras estruturas identificatórias que darão início à realidade psíquica da criança. Não só a trama vincular a abriga; é condição de sobrevida deste ser que nasce prematuro, incapaz de sobreviver sem a assistência do outro social: a trama vincular é a própria base iniludível para a confirmação de nossa identidade. Sem a presença do outro se desnuda a fragilidade sobre a qual está constituído o reconhecimento do "si-mesmo" e a identidade do sujeito. Isto o conhecem bem os que implantam, as celas de castigo que costumam devastar seus inimigos mediante a privação de estímulos sensíveis e pela ausência de todo contato humano. Isolados do mundo, tendemos e desmoronar.
O sujeito da psicologia social de enrique Pichon Rivière é esse sujeito descentrado, intersubjetivo, que se produz no encontro ou desencontro com o outro.
Quando enrique Pichon Rivière pensa o sujeito, fá-lo em termos de "sistema aberto" (a rigor, não há nada que seja pensado por ele fora dos termos de um sistema aberto: o indivíduo, os grupos, as instituições, as sociedades, o ECRO). E em relação ao sujeito, trata-se de um sistema que não é autônomo em si mesmo, trata-se de um sistema incompleto que "faz sistema com o mundo".
É um sujeito situado e sitiado, que está contextualizado. Não é uma abstração. É um sujeito histórico. Não se trata de O Homem ou A Sociedade. É um sujeito situado e sitiado no sentido de que sua subjetividade é configurada num espaço e num momento histórico social específicos que lhe outorgam todo um universo de possibilidades mas que significa para ele, por sua vez, um certo estreitamento das possibilidades de representação simbólica.
Conceito de
vínculo
O ser humano nasce numa trama vincular que no melhor dos casos, fica aguardando sua chegada com um nome para lhe dar e um acúmulo de expectativas e de desejos. As tramas vinculares humanas são as que sustentam nosso prolongado processo de socialização ou de endoculturação.
Ao outro polo do contexto de constituição dessa subjetividade corresponde, para enrique Pichon Rivière, o mundo moderno. O mundo moderno se caracteriza por sua condição de mudança, por sua precariedade de sentido segundo Cornelius Castoriadis, o que faz com que este "magma" de significações que constitui o mundo social, em determinado momento histórico, varie.
É nesta sociedade marcada pela mudança que o ser humano deve construir um marco referencial, um "aparelho para pensar a realidade" que lhe permita posicionar-se e pertencer a um campo simbólico próprio de sua cultura e da subcultura na qual está inserido.
Este esquema referencial, este "aparelho para pensar" nos permite perceber, distinguir, sentir, organizar e operar na realidade. A partir de um longo processo de identificações com traços das estruturas vinculares nas quais estamos imersos, construímos este esquema referencial que estabiliza em nós uma certa maneira de conceber o mundo que, se não fosse assim, emergiria em sua condição desmesurada, de inabarcabilidade e de caos.
A característica da modernidade é a mudança e com isso a inevitável modificação do marco referencial com o qual percebemos nossa realidade. Isto faz que Pichon Rivière visualize o sujeito em uma permanente dialética com o mundo, única condição para que este sujeito possa construir uma leitura adequada de sua realidade. A perda desta inter-relação dialética faz com que o marco referencial, a maneira de perceber, discriminar e operar com o mundo se torne anacrônica e, com isso, se perda a possibilidade de uma inter-relação mutuamente transformadora com o meio. O fechamento sobre as próprias referências favorece o deslizamento de velhos fantasmas sobre as relações sociais do presente. A modernidade como momento histórico social faz com que seja iniludível para o sujeito, como condição de saúde, o manter um marco referencial articulado de modo flexível, permeável e com possibilidades de que o sustentáculo de sua inter-relação dialética homem-mundo. Enrique Pichon Rivière nos situa diante do desafio de pensar-nos como sujeitos marcados pela mudança, insertos numa sociedade que também se modifica permanentemente e que atualmente foi definida como "contexto de turbulência" (Mario Robirosa). isso nos obriga a pensar o sujeito e a sociedade em condições de criação e mutabilidade. Enrique Pichon Rivière resgata, assim, nossa condição de criadores. Porque não concebe nenhum sistema como fechado e produzido "para sempre", porque todos os sistemas - o sujeito, os grupos, as instituições, os marcos teóricos, seu ECRO - estão abertos à produção das inovações as quais a sociedade nos vai submeter, inexoravelmente, a partir de sua condição de modernidade.
O ser humano nasce numa trama vincular que no melhor dos casos, fica aguardando sua chegada com um nome para lhe dar e um acúmulo de expectativas e de desejos. As tramas vinculares humanas são as que sustentam nosso prolongado processo de socialização ou de endoculturação.
Ao outro polo do contexto de constituição dessa subjetividade corresponde, para enrique Pichon Rivière, o mundo moderno. O mundo moderno se caracteriza por sua condição de mudança, por sua precariedade de sentido segundo Cornelius Castoriadis, o que faz com que este "magma" de significações que constitui o mundo social, em determinado momento histórico, varie.
É nesta sociedade marcada pela mudança que o ser humano deve construir um marco referencial, um "aparelho para pensar a realidade" que lhe permita posicionar-se e pertencer a um campo simbólico próprio de sua cultura e da subcultura na qual está inserido.
Este esquema referencial, este "aparelho para pensar" nos permite perceber, distinguir, sentir, organizar e operar na realidade. A partir de um longo processo de identificações com traços das estruturas vinculares nas quais estamos imersos, construímos este esquema referencial que estabiliza em nós uma certa maneira de conceber o mundo que, se não fosse assim, emergiria em sua condição desmesurada, de inabarcabilidade e de caos.
A característica da modernidade é a mudança e com isso a inevitável modificação do marco referencial com o qual percebemos nossa realidade. Isto faz que Pichon Rivière visualize o sujeito em uma permanente dialética com o mundo, única condição para que este sujeito possa construir uma leitura adequada de sua realidade. A perda desta inter-relação dialética faz com que o marco referencial, a maneira de perceber, discriminar e operar com o mundo se torne anacrônica e, com isso, se perda a possibilidade de uma inter-relação mutuamente transformadora com o meio. O fechamento sobre as próprias referências favorece o deslizamento de velhos fantasmas sobre as relações sociais do presente. A modernidade como momento histórico social faz com que seja iniludível para o sujeito, como condição de saúde, o manter um marco referencial articulado de modo flexível, permeável e com possibilidades de que o sustentáculo de sua inter-relação dialética homem-mundo. Enrique Pichon Rivière nos situa diante do desafio de pensar-nos como sujeitos marcados pela mudança, insertos numa sociedade que também se modifica permanentemente e que atualmente foi definida como "contexto de turbulência" (Mario Robirosa). isso nos obriga a pensar o sujeito e a sociedade em condições de criação e mutabilidade. Enrique Pichon Rivière resgata, assim, nossa condição de criadores. Porque não concebe nenhum sistema como fechado e produzido "para sempre", porque todos os sistemas - o sujeito, os grupos, as instituições, os marcos teóricos, seu ECRO - estão abertos à produção das inovações as quais a sociedade nos vai submeter, inexoravelmente, a partir de sua condição de modernidade.
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